Aurelianus Augustinus
(Aureliano Agostinho) foi o mais célebre intelectual do seu tempo. Quando
jovem, tinha uma índole rebelde, entretanto, isto não o diminuiu diante de
tanta cultura e inteligência além de seu reconhecimento. Sua vida chegou até
nós por um mero acaso do destino. Em meados do Século XV, um navio corsário
corria com todas as velas desfraldadas em uma perseguição a nave genovesa, em
pleno Mar Mediterrâneo. O Navio que perseguia o genovês ia comandado pelo
corsário Liulli, e ostentava as cores de Aragão. Liulli, o capitão corsário,
não perdeu tempo iniciou tão logo a abordagem quando conseguiu chegar perto do
navio genovês.
Depois de uma ligeira
resistência a nave genovesa, esta foi tomada, e seus tripulantes, aprisionados.
Começou então, um saque ao navio. Contudo, dentre os objetos aprisionados
estava um famoso manuscrito em latim: “Sancti Aureli Augustini Confessionum
Libri Tredecim”. Na verdade, tratava-se dos treze livros intitulados
“Confissões” de Santo Agostinho. O precioso manuscrito e a mais rica presa do
assalto foi levado a leilão tão logo os corsários desembarcaram. O Rei de
Aragão, Afonso V, por dez ducados, arrematou a valiosa relíquia. Afonso era
conhecido como o Rei Cavalheiro, dado aos estudos e ao cultivo das
letras.
Como condiz ao título,
trata-se das confissões (ou desabafos) de um homem que conheceu de quase tudo
um pouco. Nascido em Tagaste, uma pequena aldeia da Numídia, na África do
Norte, em 354, numa época em que entre tantas outras províncias do dilatado
Império Romano. Seu pai era pagão, mas sua mãe, Santa Mônica, foi aquela que
muito se preocupou com a índole rebelde do filho. Em Mônica, estamos a ver o
tipo do estereotipo da mãe zelosa e aflita pelo futuro de um
filho.
Conforme ele CONFESSA,
fora uma criança rebelde e brigona. A mãe desejava que ele fosse um cristão,
mas o seu pai estava determinado a fazer dele um homem de conhecimentos. Desde
a mais tenra idade, apesar de ser uma criança, como ele mesmo diz
“indisciplinada e malvada”, teve tendências às letras e as artes cênicas. Já
recitava Virgílio com oito anos de idade, para agrado de seu
pai.
Agostinho fez seus
estudos em Tagaste e Madaura, mas por falta de recursos, teve que voltar a casa
paterna. Como ele mesmo diz, passou um ano na ociosidade, um “ano do qual nada
fiz de proveitoso, e só vivia a freqüentar lugares cheios de obscenidades e
outras diversões”. Com seu pai, ele ia às termas das cortesãs. Algum tempo
depois, obteve ajuda financeira de um tio para prosseguir nos estudos, e foi
para Cartago estudar.
Lá, ingressou numa das
melhores escolas de retórica. Notabilizou-se como um dos melhores alunos, mas
isto não impediu que mesmo em Cartago, juntamente com seus amigos e colegas de
escola, não empreendesse em escapadas de diversão, aventura, e sexo. Mas com
tudo isso, existia algo em Agostinho que ele mesmo não sabia explicar, algo
como se o vazio atingisse o seu coração. Sempre se questionava se a vida era só
aquilo que o cercava, diversões, mulheres, e etc. OU, havia algo mais além
dessa vida?
Numa destas meditações,
a caminho da praia, repentinamente, ouviu o som de um riso, e voltando-se,
deparou uma linda jovem que brincava com os pés entre as ondas. Doravante, os
dois se encontraram...e se amaram. Agostinho viveu com esta mulher, cujo nome
era Lídia. Desta união não oficial, nasceu um filho,
Adeodato.
Agostinho não relaxou em
seus estudos e s e formou em retórica. Entretanto, havia algo que para ele era
particular descobrir: a busca incessante pela verdade. Foi um homem em busca de
várias ideologias, inclusive mesmo a do cristianismo, tendo ele uma mãe cristã,
que, em exageros constantes, rezava constantemente pela conversão definitiva do
filho. Para se ter uma idéia, o pai de Agostinho só se deixou batizar em seu
leito de morte.
O FATO DE Agostinho
buscar outras fontes de conhecimentos, e o fato de viver com uma mulher numa
união não oficial (e de ter um filho com ela) irritava bastante Mônica, que
chegava ao cúmulo de pedir ao Bispo Ambrósio conselhos para que este fosse
adverti-lo. Este, sabiamente, disse a mãe tão aflita: “De nada isto adiantaria.
Seu filho vive confuso. Volte para sua casa, pois afinal, um filho que te causa
tantas aflições, nunca poderá ser perder”.
Agostinho adotou a
filosofia dos maniqueus, que consistia na realidade substancial tanto ao bem
como ao mal, julgando achar neste dualismo maniqueu a solução do problema do
mal e, por conseqüência, uma justificação da sua vida. Algum tempo depois,
Agostinho perdeu um de seus melhores amigos, que no leito de sua morte, ele se
convertera à fé cristã. Tinha sido este amigo um maniqueu como ele, e antes de
falecer, os dois travaram um colóquio, ao que Agostinho disse: “amigo, quanto
tu te convertestes ao batismo, na certa tu não tinhas noção por tua
enfermidade. Quando melhorardes, na certa não darás atenção a estas asneiras”.
Para surpresa de Agostinho, o jovem amigo enfermo dele respondeu: “Muito ao
contrário, pois minha vida agora será outra”. Pouco tempo depois, este amigo
morreu, para desespero de Agostinho: “Morte cruel, que me arrebatas o amigo
dileto. Porque continuam a viver outros homens e não aqueles cuja amizade tanto
bem me fazia?”.
Mas a vida em Tagaste,
segundo suas palavras, passou a ser insuportável. Com ajuda de um de seus
amigos, Romaniano, se deslocou com a mulher e o filho pequeno para Cartago,
onde abriu uma escola de retórica. Seu primeiro aluno foi um jovem que daria
grande influência em sua vida, e seu nome era Alípio.
Sete anos depois,
cansado e aborrecido com os estudantes cartagineses, que eram, segundo ele,
vadios e desordenados, decidiu ir para Roma, em busca de novos horizontes, e.
para desgosto da mãe. Daí, um episódio de sua vida das mais identificáveis na
vida de um ser humano. Quem, em algum momento, nunca precisou enganar os pais?
Pois foi isto que ocorreu, Agostinho, para ir a Roma, precisou enganar a sua
mãe.
Numa empreitada, estavam Agostinho e Alípio perto do
porto. Mônica foi de encontro com Alípio, e quando viu Agostinho, pensou
que este estava se despedindo simplesmente do amigo que partiria para a Cidade
Eterna. Em surdina, apoiado pelos demais amigos, as bagagens de Agostinho iam
sendo transportados para o navio que estaria a zarpar, enquanto este convencia
a mãe a ir orar numa capela que havia nas proximidades do porto enquanto ele
“despedia do amigo que ia embarcar”.
A pobre mãe fez o
sugerido, mas tão logo voltou, já estava a ver a nave se afastando do cais, e
seu filho dentro dele em direção a Roma. Isto foi algo que Agostinho jamais se
recuperou e foi um dos itens que o levaram a escrever estas “confissões”.
Chegando a Roma, abriu
uma escola, e conseguiu reunir um grande número de discípulos. Depois, mandou
buscar a mulher, Lídia, e seu filho pequeno Adeodato. Entretanto, depois e
algum tempo, Agostinho constatou que os estudantes romanos tinham um grave
defeito: eles não pagavam pelas suas lições. Não teve outra escolha senão
cobra-los pelas aulas, embora admitisse que eles fossem alunos
aplicados.
Parece que se não fosse
à ajuda de amigos, Agostinho morreria de fome, pois estes o recomendaram a
Aurélio Símaco, Prefeito de Roma, que investiu Agostinho numa agradável missão:
partiria para Milão para ser mestre de retórica. Lá, tomou conhecimento de
Ambrósio, ex Bispo de Tagaste, que agora, exercia sua sé em Milão. Este Bispo
era conhecido por sua energia e virtude, e ótimo orador de inigualável
eloqüência.
Agostino foi convidado a fazer um panegírico em honra a
Valentiano II. Um adolescente, na realidade, e com terríveis defeitos. Sua
missão, aqui, era fazer com que o povo visse nele um “governante de grandes
virtudes”. Tão logo pronunciou Agostinho seu discurso em um imenso anfiteatro,
a mãe do imperador sussurrou no ouvido do filho: “Nunca te haviam dito coisas
tão belas, filho”.
A ÂNSIA pela busca da
verdade não encontrou desistência na pessoa de Agistinho. Foi procurar o Bispo
Ambrósio, que a princípio, ignorou o erudito retórico, e pouco caso fazia de
sua pessoa. Quando finalmente conseguiu uma audiência com o Bispo, este o
tratou apenas com cordialidade. Vendo que era inútil, tratou Agostinho de apenas
ouvis as suas prédicas em seus sermões no templo. Alistou-se como catecúmeno, e
desde então, passou a ouvir as prédicas do Bispo Ambrósio.
Tempos depois, Agostinho
foi ver a mãe, e ela sentia certas mudanças nele, o que lhe enchia de
esperanças. Talvez um dos maiores contrastes na cristandade no que se diz
respeito à Santa Mônica e Santo Agostinho, mãe e filho, foi o fato desta
sugerir ao filho largar a mulher (pelo modo de se dizer na época, repudiar) e o
filho ficar com o pai e a avó, para uma educação com bases moralmente cristãs.
Fico me imaginando que fim teria levado Lídia, uma mulher apaixonada e
dedicada, boa mãe e ótima esposa, tendo em vista que ela mesma veio a
acompanhar a trajetória de lutas do marido. Como ele mesmo diz em suas
“confissões”, Agostinho diz: “pelo meu repúdio, Lídia teria de regressar à
África, sua terra. Uma tarde, junto ao mar, o mesmo grande mar onde eu a havia
conhecido, nos demos adeus”. Sua mãe até mesmo assumira um compromisso de um
casamento sério para o seu filho.
Suas inquietudes
espirituais não cessaram. Ouvia regularmente os sermões do Bispo Ambrosio, onde
percebia um catolicismo mais sublime do que o imaginado, e lia São Paulo. Um
dia, julgando ouvir a voz de uma criança: "Tolle, lege", abriu ao
acaso as Epístolas de são Paulo, que tinha ao lado e passou a sentir que
"todas as trevas da dúvida se dissipavam". Doravante, renunciou a uma
cátedra de retórica e a noiva que sua mãe lhe havia arranjado, e dedicou-se a
escrever e a estudar os Salmos de David e a se preparar para o
batismo.
Voltou-se para o estudo
dos filósofos neoplatônicos, renunciou aos prazeres físicos e em 387 foi
batizado por santo Ambrósio, junto com o filho Adeodato. Tomado pelo ideal da
ascese, decidiu fundar um mosteiro em Tagasta, onde nascera. Nessa época perdeu
a mãe, com quem tivera na véspera um grande colóquio, e posteriormente, o
filho, para quem dera a extrema unção. Diz ele: “E eu que fora tão grande pecador,
abençoei meu filho e lhe dei por companheiro de viagem a Eternidade o amado
corpo de Nosso Senhor Jesus Cristo.”
Ordenado padre em
Hipona, em 391, pequeno porto do Mediterrâneo, também na atual Argélia, e em
395 tornou-se bispo-coadjutor de Hipona, passando a titular com a morte do
bispo diocesano Valério. Não tardou para que fundasse uma comunidade ascética
nas dependências da catedral.
Em sua vida e em sua
obra, santo Agostinho testemunha acontecimentos decisivos da história
universal, com o fim do Império Romano e da antiguidade clássica. O poderoso
estado que durante meio milênio dominara a Europa estava a esfacelar-se em
lutas internas e sob o ataque dos bárbaros. Em 410, Agostinho viu a invasão de
Roma pelos visigodos e, pouco antes de morrer, presenciou o cerco de Hipona
pelo rei dos vândalos, Genserico. Nesse clima, em que as cismas e as heresias
eram das poucas coisas a prosperar, ele estudou, ensinou e escreveu suas
obras.
Antes, Agostinho teve
uma experiência mística, que lhe foi revelado, e vem a ser esta, um dos últimos
capítulos de sua trajetória: estava ele a passear solitariamente numa praia,
como tinha o hábito de fazer nas horas da tarde, e se comunicava com Deus em
seu íntimo, lhe bebendo uma imensidade ignota. Suas dúvidas quanto ao mistério
da Santíssima Trindade... Três pessoas em um só Deus verdadeiro. Foi nisso,
que, repentinamente, viu um menino na praia que estava a brincar, sentadinho e
fazendo um buraco na areia, com uma conchinha. Nisso, Agostinho foi em direção
ao menino e perguntou: ”menininho, por que estás com a conchinha pondo água do
mar dentro desse buraco de areia? – ao ponto que o menino respondeu: “quero
colocar toda a água do mar aqui.” Agostinho riu e ironizou: “Só mesmo numa
criança para tal idéia correr. E como queres, minha criança, que toda a água do
mar imenso caiba aí nesse pequeno buraco que tu fizeste?”- e o menino
prontamente replicou: “e como queres tu que os mistérios de um Deus infinito
possam caber em um entendimento tão pequeno como o de um homem”“?”- Nisso, o
menino desaparece, e Agostinho caiu de joelhos: “Meu Deus, isto é um milagre do
Vosso Infinito Poder”.
Assim termina suas
“confissões” “Depois dessas maravilhosas coisas que vivi, quis escrever estas
tão sinceras confissões”. Santo Agostinho morreu em Hipona, em 28 de agosto de
430. E nessa data, 28 de agosto, é festejado como doutor da Igreja
Católica.
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