O MÊS MARIANO
Ao longo da
História, foram poucas as mulheres que romperam com o preconceito e conseguiram
participar efetivamente dos fatos e acontecimentos significativos de seu tempo,
alcançando seus objetivos e ganhando o devido reconhecimento. Maria foi uma
dessas mulheres, senão, a principal delas.
Ainda muito
jovem, ficou noiva de José, um homem honesto e bem mais velho do que ela, que
não tardaria em tomá-la como esposa. Vivendo em uma sociedade judaica que
estava sob a dominação dos romanos, onde a mulher pouco ou quase nada valia,
esta jovem percebe, em um momento de inconfundível beleza, a presença de Deus
em sua vida. E Deus a convida para ser a mãe de seu Filho predileto, Jesus
Cristo, que assumiu a condição humana e veio ao mundo para nos ensinar que o
amor é o único caminho que, verdadeiramente, nos leva à felicidade.
Maria disse
"sim" a Deus e levou este "sim" às últimas conseqüências.
Por ação direta e exclusiva do Espírito Santo, ficou grávida antes de se casar
e correu o risco de ser apedrejada, conforme mandava a lei daquela época.
Suportou a desconfiança de seu esposo; suportou as dificuldades inerentes à
pobreza; suportou a perseguição de homens poderosos e cruéis, como Herodes, que
tentou matar Jesus ainda quando criança. Por fim, suportou a dor de ver seu
Filho inocente ser condenado, cruelmente agredido e crucificado. Suportou tudo
isso sem perder a fé, a confiança, a dignidade e a esperança em seu Deus.
Suportou tudo por amor, já que o amor tudo suporta (1°Coríntios 13,7). Suportou
tudo em silêncio. Silêncio que não significa covardia e omissão, mas que se
traduz em serviço constante, em humildade, em entrega total e absoluta ao papel
que lhe havia sido reservado por Deus na história da humanidade. Em silêncio
Maria viveu sua opção por Cristo. E, agindo assim, deu exemplo de fé, de
coragem, de conversão autêntica, de adesão absoluta ao plano de Deus para a
salvação dos homens. Ao mesmo tempo iniciou uma luta pelo resgate da dignidade
da mulher, perdida em meio aos abusos de uma sociedade patriarcal,
preconceituosa e machista. Essa luta sobreviveu até hoje e se fortaleceu ao
longo de inúmeras gerações. Muitas vitórias já foram conquistadas. Entretanto,
muita coisa precisa melhorar.
Existem no
mundo milhões de "Marias" que, a despeito de toda a evolução
política, econômica, social e tecnológica, ainda não conseguiram um local digno
para morar, assistência médica eficiente, emprego e salários compatíveis com
suas necessidades, respeito profissional e igualdade de direitos e deveres em relação
aos homens. A mulher segue sendo marginalizada, discriminada e explorada.
Muitas ainda comercializam seus corpos e até mesmo seus filhos para conseguirem
um mísero pedaço de pão.
Ao dizer a
Deus "Faça-se em mim segundo a vossa palavra", Maria revolucionou a
História. Em seu silêncio, disse mais do que ninguém que é preciso lutar
constantemente pelo estabelecimento da justiça, da paz, da liberdade, da
fraternidade e da igualdade em nosso mundo. Ao abrir seu coração a Cristo, ela
rompeu com as barreira do egoísmo humano e nos ensinou que é preciso amar a
todos, independente da raça, da cor da pele e do sexo.
Apesar de
todo o sofrimento que vivenciou, Maria tornou-se uma mulher vitoriosa e feliz.
Nós a chamamos de bendita e bendizemos também a seu Filho, Jesus, que num gesto
de amor, fez com que ela se tornasse mãe de todos nós (João 19, 25-27).
Em maio, o
desabrochar das flores manifesta com originalidade e beleza o milagre da vida.
A tradição católica escolheu este período do ano para venerar com especial
devoção a Maria, que, com simplicidade e fidelidade inimitáveis, vivenciou os
ensinamentos de Cristo, caminho, verdade e vida. Rezemos com fé renovada a Ave
Maria, oração que exprime com perfeição o mistério da serva bem-aventurada de
Deus.
NOSSO CULTO
A MARIA, MÃE DE JESUS
Depois da
ascensão de Jesus ao céu, Maria permaneceu no cenáculo juntamente com os
apóstolos e discípulos, aguardando a vinda do Espírito Santo. Podemos dizer que
ela continuava sua maternidade, agora, na Igreja nascente. O autor do livro dos
Atos dos Apóstolos, São Lucas, nos oferece uma passagem que é, ao mesmo tempo,
de profundo significado teológico: “Todos eles, unânimes, perseveravam na
oração, com algumas mulheres, entre as quais Maria, a mãe de Jesus” (Atos dos
Apóstolos 1,14). Vemos, neste trecho, não apenas a presença de Maria mas sua
perseverante oração. Ela intercedia junto ao seu Filho por aquela pequena
comunidade no Cenáculo, nos primórdios de sua caminhada.
Sua presença
intercessora continuará, ao longo da história da Igreja, ímpar e singular.
Encontramos no Cemitério de Priscila, na via Salária em Roma, a mais antiga
imagem de Maria, com o menino Jesus em seus braços, demonstrando assim que os
antigos cristãos, no final do segundo século, já veneravam sua memória com grande
devoção.
Quando os
primeiros concílios definiam as verdades da fé e se organizavam as primeiras
formulações do “Creio”, o nome de Maria era inserido em todos os documentos:
“Nasceu da Virgem Maria!”.
Os grandes
teólogos dessa época como Hipólito, Ambrósio, Agostinho, Ildefonso de Toledo e
tantos outros, transmitem as verdades reveladas e inserem o nome da Virgem
Maria em seus tratados sobre as Profissões de Fé.
No dia 22 de
junho de 431, no Concílio de Éfeso, era lida a carta de Cirilo de Alexandria a
Nestório, onde ele transmitia aquilo que os padres conciliares haviam definido:
a Santa Virgem Maria é Mãe de Deus. Dela nasceu o santo corpo de Jesus dotado
de alma racional, ao qual o Verbo está unido substancialmente.
Ela é Mãe de
Deus e, mesmo depois do parto, permanece sempre Virgem. Jesus nasceu segundo a
natureza humana, porém, como Pessoa divina.
O culto a
Maria é fundamentado na Sagrada Escritura, na tradição litúrgica e no
magistério da Igreja. A religiosidade popular colhe nestas grandes fontes as
suas mais autênticas expressões. Basta considerarmos o número de paróquias,
santuários, igrejas e capelas consagrados a Maria Santíssima. Quantas
arquidioceses e dioceses na América Latina e, particularmente no Brasil, a têm
por padroeira! Quantos profissionais a escolhem por protetora! Quantas
congregações religiosas e sociedades de vida apostólica a têm por inspiradora!
Todas essas
evidências nos colocam diante de uma realidade que precisa ser considerada: se
o Salvador da humanidade cumulou sua Mãe de predicados tão excelentes e ela,
por sua vez, colaborou com a graça a ponto de ser chamada de “plena de graça”
pelo arcanjo São Gabriel, tudo isso nos mostra um caminho de esperança.
Podemos, contemplando Maria, alcançar a salvação em Jesus e por Jesus.
Em 29 de
abril de 1965, no segundo ano do pontificado, Paulo VI promulgou a encíclica
“Mês de Maio”, dedicada a Maria Santíssima. A Igreja estava vivendo o Concílio
Vaticano II e o Papa se preocupava com a paz no mundo. Nessa encíclica de
apenas doze parágrafos, Paulo VI pedia orações por dois motivos: o êxito do
Concílio e um apelo à paz do mundo.
Maria, diz o
Papa Paulo VI, foi constituída administradora e dispensadora generosa dos
tesouros da divina misericórdia. Nessa mesma carta incentiva o Papa a prática
da reza do Santo Rosário, oração tão agradável à Virgem Maria. Nove anos
depois, o mesmo Paulo VI promulgava a Exortação Apostólica “Marialis Cultus”:
para a reta compreensão e desenvolvimento verdadeiro do culto à Bem-aventurada
Virgem Maria.
A Sagrada
Escritura traz muitos exemplos de figuras de linguagem com motivos florais que
os Padres da Igreja, sem muita dificuldade, aplicaram a Maria: Cântico dos
cânticos, Provérbios, Eclesiástico, etc.
O mês de
Maio se tornou mês de Maria, como sabemos, por causa das oferendas florais,
muito comuns na Europa com a chegada da primavera, que no hemisfério norte
acontece neste mês.
Seguindo o
conselho da Igreja, procuremos imitar a Virgem Maria não apenas por atos de
piedade, que são muito edificantes, mas sobretudo por atitudes.
Buscamos em
Maria um modelo a ser imitado: modelo de mulher, enquanto “filha de Sião”,
sempre consciente de seu papel de cidadã; modelo de esposa, que partilhou com
São José as tarefas quotidianas de um lar comum para o seu tempo; modelo de mãe
que não apenas se dedica, com o mesmo São José, à educação de Jesus, mas o
prepara para assumir seu ministério.
Finalmente,
o Concílio Vaticano II, na Constituição Dogmática “Lumen Gentium” lhe confere o
título de “Mãe de Deus e Mãe dos Homens”. E por isso, o culto à Santíssima
Virgem Maria deve ser equilibrado e digno. O texto conciliar nos alerta sobre o
perigo de um estéril e transistório afeto. A verdadeira devoção deve proceder
da fé verdadeira que nos leva a contemplar a Virgem Mãe de Deus para lhe
dedicar o nosso amor e nossa filial devoção em decorrência do mistério de
Cristo.
Enquanto sinal
de esperança e de conforto ao peregrinante povo de Deus, convidam-se os
cristãos a suplicar, instantemente, até que todas as famílias dos povos, tanto
as que estão ornadas com o nome de cristãos, como as que ainda ignoram o seu
Salvador, sejam felizmente congregadas na paz e na concórdia (GS 69).
Na exortação
apostólica pós sinodal “Evangelii Nuntiandi”, Maria é assim invocada: “Que seja
Maria a estrela da evangelização. Que a Igreja, obediente ao mandato do Senhor,
promova e realize, sobretudo nestes tempos difíceis, cheios de esperanças, essa
grandiosa obra da Evangelização!
D. EUSÉBIO
OSCAR SCHEID
Ex-
Arcebispo da Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro
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