É provável
que o título do filme Marcelino Pão e Vinho não diga muita coisa em um primeiro
momento para as gerações mais jovens; no entanto o cenário muda radicalmente de
figura quando os questionados a respeito deste longa europeu fazem parte das
gerações mais anciãs – se você se enquadra no primeiro grupo, pode ir tirar a
prova real com alguém mais velho que o resultado é praticamente certo. Este
filme de 1955, vastamente reconhecido nos mais importantes festivais de cinema
do mundo (como em Cannes e Berlim), foi um grande sucesso popular ao redor do
mundo ao arrebatar grandes bilheterias, inclusive levando multidões às salas de
cinema brasileiras na época.
Trata-se de
uma produção espanhola, que foi rodada tanto na Espanha quanto na Itália, e
dirigida pelo húngaro Ladislao Vajda (*1906 - + 1965). Em preto e branco e com
produção modesta, o longa apresenta a história do menino Marcelino, que é
abandonado ainda bebê na porta de um mosteiro, e que, após frustradas
tentativas dos frades de entregá-lo para adoção, acaba sendo criado por 12
monges sem uma mãe (e o número de monges é um mais que evidente recurso de
interdiscursividade com os apóstolos de Jesus). Marcelino cresce como um menino
levado, sempre fazendo travessuras e levando todos no mosteiro à loucura com
sua desobediência e imaginação, até tornar-se o protagonista de um milagre que
marcará para sempre o vilarejo espanhol onde se passa a história.
Contudo, o
filme é um bocado esquemático em vários sentidos. A trama central é apresentada
no início por meio de um flashback, onde muitos anos mais tarde, um padre conta
para uma menina enferma na cama sobre a lenda de Marcelino – o que pode ser
justificável pelo caráter de fábula infantil desta história. O decorrer do
enredo conta com certa trivialidade, como no fato de recorrer ao manjado
cacoete do recém-nascido abandonado em uma, os dilemas para encontrar uma
família, o surgimento de um vilão ganancioso e malvado, as travessuras de
Marcelino típicas de qualquer menino e comum, e por aí vai. O filme tem uma
duração comedida, porém se entende por bastante tempo em uma trama que só
encontrará o seu ápice e seu grande significado no fim, podendo afugentar os
mais ávidos por agilidade e acontecimentos no esquema de “causa e feito”, tão
presentes no grande cinema dos dias atuais, principalmente no americano.
Mas ainda
que seja um tanto formulaico e ausente grandes atributos cinematográficos, esta
adaptação para o cinema da história presente no livro homônimo de José Maria
Sanchez Silva (*1911- + 2002) é inegavelmente comovente. É difícil não se
deixar contagiar pelo carisma do menino Marcelino, interpretado pelo ator
Pablito Calvo (*1948 - + 2000), que virou estrela internacional graças a este
papel (pelo qual ficou marcado pela vida toda), vindo inclusive visitar o
Brasil. O filme é ao seu modo um marco na cinematografia melodramática da
Europa, um drama sentimental e religioso que convoca na memória do espectador
imagens tão variadas que vão desde o arquétipo do menino herói até passagens
bíblicas de provações e redenções.
Desse modo,
a história evoca ideias narrativas como aquelas em que são baseadas no
arquétipo do “escolhido”, do homem que veio à Terra com uma missão especial a
ser cumprida; a do menino ingênuo e destemido que, por sua pureza, alcança as
maiores façanhas consideradas impossíveis aos homens comuns, como em algumas
lendas nórdicas e no personagem Ziegfried, da obra de Richard Wagner; a do menino que, nascendo de uma concepção
misteriosa e crescendo em uma ambiente
sacro e de muita religiosidade, torna-se um mártir, um sacrifício em nome de
todos, de certo modo como aconteceu na vida de Jesus Cristo.
O curioso na
história de Marcelino, no entanto, é o modo como às avessas vai ao encontro de
sua religiosidade e espiritualidade. Se na Bíblia Adão e Eva perderam o contato
com Deus em decorrência de sua desobediência em provar do proibido, em
Marcelino Pão e Vinho a moral é inserida por outro viés: o protagonista
encontra Deus e sua missão justamente ao contrariar os ensinamentos do monges e
ir até o sótão proibido sucumbindo à tentação da curiosidade. Subvertendo a
moral do livro de Gênesis, é graças ao modo errante com que o menino leva a
vida, aliado ao seu caráter prodigioso, que lhe será possibilitado o encontro
de seu verdadeiro caminho.
Cinematograficamente, alguns dos planos finais do filme são de uma força
extrema: é interessante notar como é forte e poderosa a imagem de Cristo, ou de
um crucifixo, na na grande tela do cinema. Qualquer seja a religião do
espectador, seja ateu ou cristão, e inegável o poder imagético do maior símbolo
presente na cultura do ocidente nos últimos dois mil anos.
Se este
filme marcou a infância de tantas pessoas no mundo, inclusive inspirando muita
gente a ingressar no seminário, o Brasil encontrou a sua resposta para este
filme espanhol em 1961 com o longa de Lima Barreto chamado A Primeira Missa. Neste raro filme nacional, embora também um
grande sucesso na época, um menino chamado Bentinho (e que nome sugestivo!) encontra sua vocação para o sacerdócio e a
vida em devoção a Deus em meio à vida solitária e hostil.
Filmes como
esses não são mais feitos, e histórias assim no cinema de hoje fariam muito
pouco sentido no mundo atual. Embora tenham sido grandes sucessos do cinema,
não figuram mais na lista dos melhores filmes, tampouco viram fenômeno cult. E
é por essa razão que sua exibição é interessante: evocam um mundo nostálgico,
relembram certa ingenuidade que o mundo, a infância e até mesmo o cinema perdeu
com o passar dos anos.
O Filme esta a disposição em DVD nas melhores lojas e em locadoras do Brasil
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Artigo
redigido por Juliano Mion, em 31/03/2009, para o site www.cineplayers.com
FILME: MARCELINO PÃO E VINHO (1955) DUBLADO EM PORTUGUES- do abençoado site GLORIA TV
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