domingo, 25 de novembro de 2012

Solenidade de Cristo Rei - Rei do Universo.


 Neste Domingo, a Igreja celebra a grande Solenidade de Cristo-Rei, que marca o encerramento do Ano Litúrgico, ao mesmo tempo em que aponta para a vinda gloriosa de Cristo, no fim dos tempos.


A noção de realeza, associada à divindade, surge em Israel, a partir do momento em que foi instituída a monarquia, por desejo do próprio povo. Jamais, porém, Israel divinizou seus reis. Pelo contrário, estes estariam a serviço de Deus, como seus representantes, no que se poderia definir como uma teocracia. O primeiro rei foi Saul, que não se mostrou à altura das expectativas, pois não era o eleito de Deus. Davi, seu sucessor, ungido pelo profeta, tornou-se o herdeiro da promessa messiânica.


Israel jamais arrefeceu na esperança da vinda daquele descendente de Davi – o Messias – que os mestres rabinos, assim como o povo simples, aguardaram por séculos. Esperavam, no entanto, que Ele instaurasse um reino temporal, de cunho político-militar, que significaria a libertação do jugo de seus opressores, sob os quais Israel viveu longo tempo: assírios, babilônios, persas, gregos, romanos...


Por ocasião do nascimento de Jesus, Roma era o centro do mundo, capital do grande Império daquele tempo. A tão sonhada autonomia de Israel não se concretizara. Apenas no âmbito religioso Roma concedia relativa liberdade à colônia, permitindo a autoridade dos sumo-sacerdotes e dos fariseus no ensino da Lei e nos ditames da vida moral. Em suma, crescia a grande expectativa pelo Messias, que restaurasse o Reino de Davi contra o jugo romano.


Naquele contexto, surge o Rei dos Reis, desconhecido de todos, que não se apresenta como Soberano, mas como Servo – Aquele que cumpre a profecia do Servo de Javé (cf. Is 52,13-53,12). Ademais, embora nascido em Belém de Judá, vinha de Nazaré, de onde ninguém julgava pudesse vir algo de bom (cf. Jo 1,46). Cristo, Rei-Servo, começou a pregar um Reino interior, transcendente, do qual nunca se tinha ouvido falar, e cujo senhorio pertence a Deus. Esse Reino caracteriza-se pela prevalência da paz, da justiça, da igualdade e, sobretudo, do amor.


 A doutrina e as obras de nosso Mestre já realizam a presença desse Reino entre nós (cf. Mt 12,28). Embora sem estardalhaço, como a semente que brota na terra (cf. Mt 13,31-32), os sinais que o acompanham tornam-se evidentes, tanto que “o povo estava admirado ante o espetáculo dos mudos que falavam, dos aleijados curados, dos coxos que andavam e dos cegos que viam. Glorificavam ao Deus de Israel” (Mt 15,31) por isso.


Jesus deu outra pequena demonstração do seu Reino, quando entrou, festivamente, em Jerusalém. Ao contrário da pomposa recepção dedicada aos personagens de prestígio, o povo acolhe, com alegre simplicidade, Aquele que chega, montado num burrico: estendem mantos à sua passagem, ramos de árvores pelas estradas, e todos o aplaudem.


 Quando a criançada começa a gritar e a cantar, os mestres judeus se irritam e mandam proibir o canto. Ao que Jesus replica: “Digo-vos: se estes se calarem, clamarão as pedras!” (cf. Lc 19,29-40 e paralelos). Ainda assim, houve quem não compreendesse e não quisesse aceitar a novidade do Reino que Ele veio trazer.


Cristo instaurou o seu Reino para renovar a vitalidade da nossa comunhão com Deus e com os irmãos. Ser cidadão dessa Pátria transcendente exige de nós a santidade, que nos assemelha ao Pai celeste: “Sede santos, porque eu, o Senhor, vosso Deus, sou santo” (Lv 19,2). Mas onde está a santidade? Nos exemplos que o próprio Mestre nos deixou, e que devemos assumir, em atitude de conversão.


O Reino de Cristo nos conclama à piedade, não só na devoção às orações, mas no amor filial a Deus e, conseqüentemente, aos irmãos e às irmãs, sobretudo aos que mais precisam do nosso apoio. Assim se constrói a fraternidade, uma fraternidade universal, baseada na igualdade, sem acepção de cor, de raça ou de gênero. Jesus assim o quer: “Vós todos sois irmãos” (Mt 23,8).


O Reino de Cristo é um Reino de paz. A verdadeira paz, pela qual o nosso mundo tanto anseia, e que tem sido objetivo de tantos manifestos públicos e comunitários, depende da conversão dos corações, pois a paz se exterioriza a partir do que trazemos dentro de nós. Acima de tudo, a paz definitiva será um dom de Deus, que Cristo nos trará, quando vier pela segunda vez, para consumar a história e a culminância da Redenção.


A grande novidade desse Reino é a cruz, transformada de instrumento de tortura ignominiosa em sinal glorioso. Jesus convida quem quiser ser seu discípulo a aceitar o desafio de carregá-la com amor, com alegria, mesmo no sofrimento, caindo, levantando, até chegar o momento da glória, que vai coincidir com a oferta da nossa própria vida em prol do bem comum (cf. Mt 16,24-25 e paralelos).

E, de fato, assim aconteceu e continuará a acontecer... A maior glória da Igreja Católica é que nosso passado se fundamenta no testemunho dos Santos e dos Mártires, baseados, por sua vez, na Pedra Fundamental – o Cristo Senhor. Mas cada um de nós, mesmo na pequena dimensão da própria vida, é chamado a acolher os revezes e sofrimentos com bom ânimo e generosidade que nos transcende.


 Apesar de seu cunho marcadamente escatológico, isto é, voltado às realidades eternas, o Reino de Cristo também se realiza na concretude da vida presente. A nossa fé não é abstrata ou inativa. Ela tem que ser operosa, ativa e criativa. “A fé opera pela caridade” (Gl 5,6).


Aqui entra a obra da Caridade Social, que promove o ambiente propício ao anúncio do Evangelho, entre os mais carentes do pão material e do Pão espiritual. Essa é a outra novidade do Reino de Cristo, transformando, assim, a história e a própria política, não como ideologia de partidos, mas como a ciência e a prática do bem comum.


Portanto, o Reino de Deus está presente entre nós, nas multidões que se ajoelham e rezam, na pregação e na escuta da Palavra de Deus, com fé e entusiasmo, na celebração da Eucaristia e dos demais Sacramentos, enfim, na própria visão cristã do mundo e da história. Mas o Reino ainda está sendo construído. Por isso, Jesus Cristo deseja que clamemos sempre por ele, através da Oração que nos ensinou: “Venha a nós o vosso Reino”.

AUTOR: CARDEAL D. EUSÉBIO OSCAR SCHEID
Ex Arcebispo da Arquidiocese do Rio de Janeiro

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