AUTOR: CARLOS FUENTES
ESPECIAL PARA A FOLHA
Texto Original se encontra em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq0806200217.htm
O Museu de
Arte Moderna de Nova York (MoMA) prepara um volume intitulado "The Hidden
God" (O Deus Oculto), no qual pede a escritores que escolham um filme de
temática religiosa aparente ou, conforme indica o título da série, oculta.
A lista é
longa e interessante e vai de Dreyer a Scorsese, passando por Bergman, Bresson
e Kurosawa. Naturalmente, escolhi Luis Buñuel (* 1900 - † 1983) e, entre seus ""deuses
ocultos", a adaptação de Nazarín, de Benito Pérez Galdós.
Em 1958,
preparava o trabalho de promoção de ""Nazarín", que havia sido
convidado pelo Festival de Cannes, apesar da oposição do governo mexicano. Como
em 1950, quando ""Los Olvidados" concorreu em Cannes, os olhos
míopes do pudor oficial consideraram ""Nazarín" prejudicial à
imagem do México.
Em seu
lugar, o governo enviou a Cannes, em 1958, um filme realmente prejudicial à
imagem do México: "La Cucaracha", coletânea de imagens modorrentas da
Revolução.
Os governos
se opuseram a "Los Olvidados" e a "Nazarín" porque, segundo
eles, Buñuel traça o retrato de um México pobre, violento e sujo.
"Nazarín"
conta a história de um humilde padre privado de sua paróquia por uma hierarquia
arrogante. Visto como louco perigoso, Nazarín sabe que sua loucura consiste na
imitação de Cristo, e Buñuel o lança num fascinante "road movie". No
caminho, em diversos momentos, a vontade cristã de Nazarín encontra apenas
desprezo, enganação e violência. Sua fé no ideal cristão (a vida de Jesus) é
comparável à fé de Dom Quixote no ideal cavalheiresco.
Como
Quixote, Nazarín tem seus Sanchos -só que, num volteio imaginativo brilhante,
os escudeiros de Nazarín são duas prostitutas que o seguem, contra sua vontade,
mas que acabam por se revelarem cruciais para sua "via-crúcis".
Nazarín só pode imitar a Cristo se abrir mão de sua aspiração à salvação
individual e descobrir que existe apenas uma salvação, na companhia dos outros.
O inferno são os outros, diz a célebre frase de Sartre. Mas, respondeu Buñuel,
sem os outros não há paraíso.
Antes de pôr
sua fé à prova, Nazarín sabe que Cristo individualiza a salvação, a põe ao
alcance de todos. Mas, depois de sua "via-crúcis", o sacerdote ganha
a consciência de que a imitação de Cristo significa escândalo, desordem, águas
revoltas. Nazarín se converte no inimigo da ordem.
O tema de Maria Madalena é duplicado por Buñuel em "Nazarín". A presença das
duas mulheres (Marga López e Rita Macedo) é, em si, uma ousada afirmação do
erótico dentro do sagrado.
Essa
dimensão erótica em "Nazarín" é inseparável do muito discutido final
do filme. O sacerdote é conduzido por um caminho poeirento, num cordão de
presos. Uma mulher piedosa lhe oferece um presente insólito: uma pinha, objeto
comparável, em sua difícil manipulação, a uma granada explosiva. Num primeiro
momento, Nazarín recusa o presente. Depois acaba por aceitá-lo e agradece à
mulher, dizendo "Que Deus lhe pague". É o momento culminante do
filme. O mais profundo, comovente, e
emotivo de um grande ator, Francisco Rabal (*1926 - † 2001).
Talvez
Nazarín tenha perdido a fé em Deus. Mas ganhou fé na humanidade e converte-se
em parte fiel, cética e humana da criação divina. Em "Nazarín",
santos e pecadores unem-se na experiência do mundo, porque apenas os homens vão
redimir os homens, quer o façam em nome de Deus ou contra Ele.
Escolhi uma
frase de Pascal para ilustrar o "press-book" do Festival de Cannes de
58. "Se não me tivesses encontrado, não me procurarias." Deus está
oculto. A natureza está corrompida. Então surge Jesus, e sua dupla paixão
-trânsito e sofrimento- nos assimila à sua presença carnal e visual sobre a
Terra. Talvez Buñuel tenha compreendido que um "ateu pela graça de
Deus" como ele se situava na ponte entre o Deus escondido, que abandonou
Jesus no Calvário e esqueceu suas criaturas humanas, e o próprio Jesus. Como
Pascal, Buñuel não pode obviar a questão da fé, a questão do ser humano que
crê. Não porque ele esteja procurando o mais precioso em seus próprios
corações.
Talvez a fé
de Buñuel (é o que me faz saber o sacerdote dominicano Julián Pablo, com quem
Buñuel passou seus últimos dias conversando) seja que todos nós podemos ser
cristóforos, portadores de Cristo, portadores de valores que queremos radicar
no mundo exatamente porque todos nós nos perguntamos: ""O que existe
além desta nossa vida?".
Dessa
maneira, Nazarín, como Jesus, se converte num ser religioso porque não
ressuscita os mortos. Ressuscita os vivos. O mundo inteiro se volta contra ele,
mas Nazarín persiste em sua imitação de Cristo, convencido de que uma pessoa
não pode ser Deus, mas Deus, sim, pode ser uma pessoa.
Carlos Fuentes é mexicano, autor de
"A Morte de Artemio Cruz", entre outros
PS
- Esta Obra de Buñuel esta despontada
entre os melhores 45 filmes de acordo com o VATICANO, na categoria RELIGIÃO, em
lista realizada em 1995 pelo Conselho Pontifício Para as Comunicações Sociais
da Santa Sé. Esta lista e demais dados pode ser encontrada no nosso link GUIA
DE FILMES DO VATICANO:
O Filme esta disponível em DVD no Brasil.
ASSISTA AO FILME - SOM ORIGINAL EM ESPANHOL
A OBRA DE LUIS BUÑUEL NAZARIN
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